segunda-feira, 28 de abril de 2014

Murar o medo - Mia Couto



O medo foi um dos meus primeiros mestres. Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas, aprendi a temer monstros, fantasmas e demônios. Os anjos, quando chegaram, já era para me guardarem, servindo como agentes da segurança privada das almas. Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinavam a recear os desconhecidos. Na realidade, a maior parte da violência contra as crianças sempre foi praticada não por estranhos, mas por parentes e conhecidos. Os fantasmas que serviam na minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambientes que reconhecemos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território.

O medo foi, afinal, o mestre que mais me fez desaprender. Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura, algo me sugeria o seguinte: que há neste mundo mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas.

No Moçambique colonial em que nasci e cresci, a narrativa do medo tinha um invejável casting internacional: os chineses que comiam crianças, os chamados terroristas que lutavam pela independência do país, e um ateu barbudo com um nome alemão. Esses fantasmas tiveram o fim de todos os fantasmas: morreram quando morreu o medo. Os chineses abriram restaurantes junto à nossa porta, os ditos terroristas são governantes respeitáveis e Karl Marx, o ateu barbudo, é um simpático avô que não deixou descendência.

O preço dessa construção [narrativa] de terror foi, no entanto, trágico para o continente africano. Em nome da luta contra o comunismo cometeram-se as mais indizíveis barbaridades. Em nome da segurança mundial foram colocados e conservados no Poder alguns dos ditadores mais sanguinários de que há memória. A mais grave herança dessa longa intervenção externa é a facilidade com que as elites africanas continuam a culpar os outros pelos seus próprios fracassos.
A Guerra-Fria esfriou mas o maniqueísmo que a sustinha não desarmou, inventando rapidamente outras geografias do medo, a Oriente e a Ocidente. E porque se trata de novas entidades demoníacas não bastam os seculares meios de governação… Precisamos de intervenção com legitimidade divina… O que era ideologia passou a ser crença, o que era política tornou-se religião, o que era religião passou a ser estratégia de poder.

Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas. A manutenção desse alvoroço requer um dispendioso aparato e um batalhão de especialistas que, em segredo, tomam decisões em nosso nome. 

Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade. Para enfrentar as ameaças globais precisamos de mais exércitos, mais serviços secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania.

Todos sabemos que o caminho verdadeiro tem que ser outro. Todos sabemos que esse outro caminho começaria pelo desejo de conhecermos melhor esses que, de um e do outro lado, aprendemos a chamar de “eles”.
Aos adversários políticos e militares, juntam-se agora o clima, a demografia e as epidemias. O sentimento que se criou é o seguinte: 

A realidade é perigosa, a natureza é traiçoeira e a 

humanidade é imprevisível. 

Vivemos – como cidadãos e como espécie – em permanente situação de emergência. Como em qualquer estado de sítio, as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa.
Todas estas restrições servem para que não sejam feitas perguntas [incômodas] como, por exemplo, estas: porque motivo a crise financeira não atingiu a indústria de armamento? Porque motivo se gastou, apenas o ano passado, um trilião e meio de dólares com armamento militar? Porque razão os que hoje tentam proteger os civis na Líbia são exatamente os que mais armas venderam ao regime do coronel Kadaffi? Porque motivo se realizam mais seminários sobre segurança do que sobre justiça?

Se queremos resolver (e não apenas discutir) a segurança mundial – teremos que enfrentar ameaças bem reais e urgentes. Há uma arma de destruição massiva que está sendo usada todos os dias, em todo o mundo, sem que sejam precisos pretextos de guerra. Essa arma chama-se fome. Em pleno século 21, um em cada seis seres humanos passa fome. O custo para superar a fome mundial seria uma fracção muito pequena do que se gasta em armamento. A fome será, sem dúvida, a maior causa de insegurança do nosso tempo.

Mencionarei ainda outra silenciada violência: em todo o mundo, uma em cada três mulheres foi ou será vítima de violência física ou sexual durante o seu tempo de vida… A verdade é que… pesa uma condenação antecipada pelo simples facto de serem mulheres.

A nossa indignação, porém, é bem menor que o medo. Sem darmos conta, fomos convertidos em soldados de um exército sem nome, e como militares sem farda deixamos de questionar. Deixamos de fazer perguntas e de discutir razões. As questões de ética são esquecidas porque está provada a barbaridade dos outros. E porque estamos em guerra, não temos que fazer prova de coerência nem de ética nem de legalidade.

É sintomático que a única construção humana que pode ser vista do espaço seja uma muralha. A chamada Grande Muralha foi erguida para proteger a China das guerras e das invasões. A Muralha não evitou conflitos nem parou os invasores. Possivelmente, morreram mais chineses construindo a Muralha do que vítimas das invasões do Norte. Diz-se que alguns dos trabalhadores que morreram foram emparedados na sua própria construção. Esses corpos convertidos em muro e pedra são uma metáfora de quanto o medo nos pode aprisionar.

Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos. Mas não há hoje no mundo muro que separe os que têm medo dos que não têm medo. Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós, do sul e do norte, do ocidente e do oriente… 

Citarei Eduardo Galeano acerca disso que é o medo global:

“Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quem não têm medo da fome, têm medo da comida. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras.”

E, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe.

Mia Couto

quarta-feira, 9 de abril de 2014

A evolução do Yoga



É estranho como o ser humano se comporta diante de mudanças.
Lembram quando apareceram os primeiros celulares? 
Eram enormes, tinham somente a função de fazer e receber chamadas e ainda eram considerados artigos de luxo.
A tecnologia avançou e hoje carregamos conosco celulares que são melhores que muitos computadores. O que antes era artigo de luxo virou necessidade. Pelo menos para a grande maioria das pessoas.
Mas imagine você, uma pessoa tradicional, lutando para que os primeiros celulares continuassem no mercado e criticando ferozmente todo o avanço tecnológico. 
Meio surreal, não acha?

Tenho visto e ouvido, desde que comecei a praticar Yoga, grandes discussões sobre o que é Yoga, sobre qual o Yoga mais autêntico, sobre as origens do Yoga, sobre o que é certo, errado, verdadeiro, falso e assim por diante.
Nunca entrei nessa porque enquanto as pessoas discutiam suas verdades, achei mais útil estudar, praticar e entender o Yoga.
Estudei muito filosofia e mitologia. Fui além da teoria exclusiva dedicada ao Yoga.
E minha conclusão é que o Yoga evoluiu.
Depois de anos em baixa, as práticas de Yoga vêm ganhando força novamente.
Não é de admirar que o Yoga que está em alta é justamente o que foge do tradicional.
Com essa linha de pensamento, volto a falar do celular.
Por mais que avanços e mudanças tenham acontecido, ele continua sendo um celular: menor, mais moderno, com mais funções.
O Yoga também continua sendo Yoga.
Não importa se a prática é Vinyasa Flow, Acro Yoga, Hot Yoga, Iyengar Yoga e agora o SUP Yoga.
Não importa se o Yoga é considerado um caminho espiritual ou apenas uma filosofia prática.
O que realmente importa é se identificar e praticar o método que você escolheu da melhor forma possível. Ou vários deles. 
Yoga é integração, união. 
União de você com Deus, ou com a sua natureza divina. 
União com a natureza, com o Universo. 
Com as outras pessoas e com você mesmo, com sua essência.
Yoga é o "todos somos um".
Mas e na prática, quem fala tudo isso, faz?
Como eu gostaria que sim.

O Ahimsa, palavra sânscrita que significa não agressão, comparo aqui com o fio da tomada usado para carregar a bateria do celular.  
Sattva, palavra sânscrita que significa verdade, ou autenticidade, comparo aqui com a própria bateria do aparelho.
Assim como eletricidade e bateria são essenciais para o funcionamento do celular, Ahimsa e Sattva são fundamentais em qualquer prática de Yoga.
Curioso é que muito professor de Yoga esquece disso.

Se você ainda não decidiu sobre qual linha seguir, desconfie daquelas que agridem outros métodos e se dizem donas da verdade.
Essas estão indo contra esses dois princípios básicos que citei acima:
Ahimsa e Sattva.
Um bom professor ensina seu método sem precisar falar mal de nenhum outro. Mesmo se a desculpa for alertar o praticante, acredito que todos somos inteligentes o suficiente para não cair em roubadas, ou percebê-las a tempo. Assim como também somos capazes de discernir o que achamos certo e errado para nós. E isso é muito pessoal.

Essas são opiniões próprias.
Encontrei no Yoga minha filosofia de vida.
Praticar ásanas, pranayamas, meditação e mantras mudou minha vida.
Se faço isso em uma escola de Yoga, na sala da minha casa ou em cima de uma prancha, continua sendo Yoga.
Minha proposta como professora é ensinar o praticante a usar todas essas ferramentas que o Yoga dispõe, com o objetivo do aluno se conhecer mais e então, ser uma pessoa cada vez melhor.

Carolina Carvalho | ByNina



'Quando o amor é a condição para os nossos atos, não há outro resultado se não o bem.'
(frase citada pela minha amiga Roberta Gomes, em uma das nossas conversas sobre Yoga. Eu assino embaixo!)

ATENÇÃO

Muitas imagens do BLOG são fonte de pesquisa na internet.
As imagens que incluem o ByNina na lateral são criadas por mim, geralmente pego frases de outros autores, citando o mesmo e imagens de fundo disponíveis na internet.
Todas as frases e pensamentos com a assinatura ByNina embaixo da arte são de minha autoria.
Lembre-se sempre de citar a fonte quando compartilhar.
E se alguma imagem tiver direitos autorais, entre em contato comigo através do e-mail bynina@hotmail.com que cito o autor ou retiro imediatamente.
Obrigada pela compreensão!

Carolina Carvalho
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